quinta-feira, 17 de junho de 2010

ÀS MULHERES SEM TEMPO

Às mulheres sem tempo...

Esta é uma homenagem a todas as mulheres que nunca se deram uma chance e acreditam que não tem mais tempo... Será???

Miriam Novais*

Se me fosse dado outra chance de começar novamente minha história, creio que faria uma caminhada mais leve, sem tanta bagagem desnecessária ou tantas regras rígidas...
Ficaria atenta desde o princípio. Desfrutaria do prazer de passar batom e experimentar aquela sandália de salto alto e tiras douradas, mas não abriria mão de correr descalça na grama e me lambuzar de barro ou água de chuva. Enfeitaria menos bonecas, inventaria menos “comidinhas” e andaria mais de bicicleta, correria mais em direção ao vento... e, quem sabe, não teria tanto pudor em dizer ao mundo, as “coisas de mulher” que meu coração abrigava e me deixavam um pouco assustada.
Se me fosse dado outra chance, tentaria conciliar o salto alto, com o skate; o olhar sedutor e o gesto contido, com a gargalhada escrachada e o cabelo despenteado; jogaria futebol com os meninos, sem o medo tolo de me sentir menos feminina; deixaria de fazer a lição, quando a preguiça se fizesse urgente; convidaria o meu amor secreto para dançar, comer pizza e diria o quanto o quero... creio que não esperaria que as coisas acontecessem, tentaria faze-las acontecer no meu tempo.
Se me fosse dado outra chance, eu choraria menos de vergonha ou medo; silenciaria menos diante dos “Nãos” que a vida me dissesse; inventaria menos sorrisos mentirosos e olhares compreensivos; talvez tivesse mais acessos de raiva e me permitiria debochar do mundo e de eu mesma, com mais leveza e freqüência;
Se me fosse dado outra chance, não deixaria que o susto da menstruação, abafasse a emoção de me tornar mulher, que a vergonha do soutien que se insinuava por debaixo da blusa larga, não me impedisse de usufruir da descoberta do poder da sedução.
Teria menos pudor em tocar o corpo que já denunciava a delícia e o risco de ser mulher, em um mundo cheio de regras masculinas e preconceituosas. Mais bonita para eu mesma, não me prepararia para viver eternamente em uma vitrine à espera da melhor oferta, mas estaria sempre pronta para correr descalça num jardim florido.
Se me fosse dado outra chance, beijaria com mais ternura e recusaria o beijo com menos culpa; não ficaria profundamente grata ao homem que me escolheu e desfrutaria com menos constrangimento, a delícia de descobrir o mundo sozinha.

Brincaria mais e fingiria menos; me sujaria mais e me enfeitaria menos; brigaria mais e calaria menos; sonharia com menos príncipes e tocaria mais humanos; acreditaria mais nos meus sonhos e menos na opinião dos outros a respeito deles; daria menos atenção às regras e mais aos apelos do meu coração.
Se me fosse dado outra chance, casaria com um humano e não com um príncipe de mentirinha, passaria mais tempo namorando e jogando conversa fora e menos limpando a casa.
Descobriria a delícia de rolar no chão, com um filho agarrado no meu pescoço; jogaria mais bola com meus filhos, permitiria que comessem menos alface e mais sorvete de chocolate; compreenderia que sujar a roupa é muito menos importante do que rolar na enxurrada em uma tarde de chuva e me atreveria a descobrir esse prazer ao lado deles.
Falaria menos e ouviria mais; imporia menos conselhos e regras e tentaria criar uma nova lei, juntos, a partir das nossas descobertas do mundo. Não me furtaria do prazer de ouvir as histórias “incríveis” que eles tem para contar, mesmo que essas conversas atrasassem o almoço, a novela ou varassem a madrugada.
Teria tentado amar àqueles que meus filhos amavam e contaria minhas histórias de amor, quando percebesse que seus olhos brilhavam, com o brilho dos apaixonados.
Se me dessem outra chance, convidaria mais amigos para almoçar, mesmo que a casa estivesse desarrumada e o meu cabelo horrível; permitiria que meus netos comessem bolinho antes de servir a mesa; ofereceria refrigerante e aumentaria o volume do som, só para sentir o prazer de ver seus olhos brilhando, ainda que meu ouvido e minha cabeça, não conseguissem compreender a dimensão do meu amor.
Se me dessem outra chance, falaria mais de amor e menos de regras; sorriria mais e apontaria menos o dedo; daria abraços mais apertados e menos beijinhos sociais...
Se me dessem outra chance, talvez eu me permitisse a maravilhosa experiência da Felicidade que ainda não me permiti, nesta chance que me foi dada.

*Arquiteta e Mestre em Ciências das Religiões PUC – SP.

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